Quem você é? Como se apresenta ao outro? Como responde isso olhando no espelho? Nas fichas frias cadastrais é preciso preencher o nome que te deram, o endereço que foi possível, a sua profissão. E se está em “recolocação” ou “desempregado”, quem você é? Um ser em transição é um não ser ou um vir a ser?
A angústia de olhar para dentro e refletir sobre essas questões tão existenciais é o motor para a ação. Mas afinal, qual a sua essência? Como responder a ela? Não é algo assim tão simples. Afinal, qual a relação entre a essência e a existência?
Esse pensamento filosófico é a base do Existencialismo, dos expoentes Martin Heidegger (1889 – 1976) e Jean Paul Sartre (1905 – 1980), originário no século passado e que se mantém atual. Os dois eram contemporâneos, mas não conviviam, sendo o primeiro alemão e o segundo francês.
Para os especialistas que tratam do tema, os estudos de ambos se complementam. Para esses autores, não existe uma essência humana, mas o que difere o ser humano dos demais seres é a consciência da finitude da vida. No contraponto, a criatividade, que também nos é única, vem permitindo nossa própria sobrevivência, adaptando o nosso modo de ser. Repare as formigas ou os elefantes – o que mudou na maneira como habitam o mundo em toda sua existência?
Sartre e Heidegger estão entre os nomes mais relevantes do Existencialismo (que trata do ser) Fenomenológico (relacionado ao como). Nessa abordagem, o ser é único e dono do seu destino.
Se você fosse sentar para tomar um café com esses dois grandes filósofos, eles não perguntariam “qual é o seu emprego de agora?” Mas sim: “qual o emprego que faz do seu agora?”. Você sempre estará na condição de algo, mas suas escolhas é que vão construindo a pessoa que você é.
A obra-prima de Heidegger, “Ser e Tempo” (1927), apresenta o instante como um constante porvir e ter sido, em sequências de agoras. Somos essa soma de possibilidades.
A temporalidade assume um sentido da cura, na constatação irrefutável da morte. O ser-no-mundo, como algo finito, traz a angústia que move à coragem para continuar, não preso ao passado, ou aguardando as oportunidades advindas de um futuro, mas se fazendo presente na construção do agora – o presente próprio, autêntico. Na concepção de Heidegger, a essência é a existência.
E somos livres às nossas escolhas. Sartre define que estamos condenados a sermos livres, porque, mesmo quando decidimos ficar presos a algo, isso já é uma escolha. Em seu livro, “O Ser e o Nada” (1943), descreve que não há como escapar da consciência. Para ele, somos responsáveis ao ponto de “quando eu escolho para mim, escolho para a humanidade inteira”.
Como seres inacabados, estamos em um processo de construção que só encerra com a morte. Antes de qualquer decisão, o que eu sou? Nada. Segundo Sartre, a existência precede a essência.
– Olá, sou uma cadeira, fui feita para sentar!
– E, eu, sou caderno, fui feito para escrever.
E você? Não foi feito assim. A escolha é sua. Inclusive do que fazer com a sua cadeira, se quiser usá-la como escada, e o seu caderno, se quiser fazer dele origami.
Mas não se trata apenas de olhar para si, para Sartre, é pelo olhar do outro que reconhecemos a nós mesmos. Por isso, define: “o inferno são os outros”. Embora isso não pareça confortável, já que perde-se parte da autonomia de fazer exatamente o que e como queremos, é a partir dos outros que reconhecemos as nossas fraquezas e também as forças. Essa troca, que desenha melhor a própria existência, complementa que somos únicos, mas não somos seres sozinhos.
Texto escrito por Arlete Rodrigues Vasconcelos – Jornalista, em constante ter sido e vir a ser
Comentários