Especificidades do processo psicoterapêutico fenomenológico-existencial

 

 

Quando alguém busca atendimento psicológico, geralmente é por conta de uma queixa específica que mobiliza a pessoa a procurar esse tipo de ajuda. Na maior parte das abordagens psicoterapêuticas, inicialmente o profissional irá despender um tempo para conhecer a história dessa pessoa e encontrar as causas prováveis que justifiquem o seu sofrimento. Em seguida, a partir de técnicas e recursos próprios de cada abordagem terapêutica, o psicólogo irá trabalhar a fim de combater esses sintomas e proporcionar a “cura” para o paciente. Em síntese, o foco do processo está naquilo que causa o sofrimento – na disfunção, na doença – e todo o esforço do trabalho é para que se eliminem os sintomas apresentados.

 

Dito de outra maneira, aquilo que a pessoa traz como queixa esconde uma verdade que é a origem dessa queixa, e um dos acessos a essa realidade é via sintoma. O psicólogo terá, então, o trabalho de buscar esse conteúdo latente, escondido em um compartimento interno chamado inconsciente, através de interpretações que possibilitem a expressão desse material. É como se houvesse duas realidades: aquela que eu experimento pelos sentidos e a outra que, embora eu não tenha acesso direto, é a que determina toda a minha maneira de viver.

 

Aqui temos claramente a ideia de dois mundos separados: o mundo interno e o mundo externo. Pensar dessa forma origina uma concepção de homem como sendo um ser bio-psico-social. É um homem dividido, segmentado. E mesmo que hoje a tendência seja buscar uma visão holística, ainda se fala nesse homem dividido em “bloquinhos teóricos” e dependendo do discurso ou da abordagem utilizada para se referir a esse homem, ora a ênfase será dada ao âmbito biológico, ora ao psíquico, ora ao social.

 

Essa apreensão do mundo dividido em duas partes não foi sempre assim. No período pré-socrático, o conhecimento era fruto de uma experiência sensível e imediata da realidade. Essa experiência obtida pelos sentidos não era o primeiro passo para se chegar a alguma coisa, ela era o conhecimento mesmo, o qual garantia o acesso à realidade. A partir do pensamento dos grandes filósofos da antiguidade, a realidade sensível ficou relegada ao segundo plano, pois o que é apreendido pelos sentidos é impermanente, instável e, portanto, não merece tanta atenção como aquilo que é eterno, estável – as ideias do mundo suprassensível. Nasce aqui o pensamento metafísico que fundamentará o mundo ocidental, determinando um saber científico muito diferente da realidade apreendido pelos primeiros pensadores gregos.

 

A partir desse momento, os meus sentidos me dão uma impressão da realidade, mas não me permitem conhecer de fato essa realidade. Para isso eu preciso investigar, utilizando recursos que possam ou não comprovar a minha impressão. Algo só é verdadeiro se puder ser submetido ao método científico que autenticará a sua existência, bem diferente daquele pensamento mais original que dizia que para conhecer a realidade tenho que experimentar a realidade, e isso significa saborear a realidade, na minha experiência sensível e imediata.

 

A Psicoterapia Existencial encontra suas raízes no pensamento pré-socrático, portanto todo o seu desenvolvimento seguirá caminhos bem diferentes daqueles adotados pelas abordagens que se fundamentam na metafísica.

O primeiro ponto a ser colocado refere-se à relação estabelecida com o cliente, que não terá como base a sua patologia, mas a compreensão de seu modo de experienciar a própria vida. Essa compreensão é construída na relação terapêutica, que é uma experiência direta e imediata de um encontro no qual o cliente vai expressar suas inquietações e seu modo de ser de forma única e original.

 

A preocupação do terapeuta existencial não é diagnosticar um tipo de personalidade ou de psicopatologia, mas buscar compreender aquela existência concreta e singular, que está em constante construção, ultrapassando sempre qualquer tipo de classificação. À medida que o homem vivencia situações, experimenta sentimentos ele se descobre sempre aberto a novas possibilidades; e aqui nós temos uma das ideias presente no Existencialismo – corrente filosófica que norteia essa prática clínica: “A existência precede a essência.” Ou seja, o homem se faz homem ao longo de sua vida, a partir da forma como ele efetiva suas escolhas.

 

Esse homem que está em constante transformação não é portador de um aparelho psíquico que está em interação com o mundo, além de não ser explicado como um mecanismo que funciona de determinada maneira. Ele é ser-no-mundo, e isso significa que necessariamente o homem só existe nessa relação, não como algo que está contido em um invólucro, mas como uma unidade original, fundamental. Não há mundo sem homem e não há homem sem mundo. A relação é co-existência. O mundo é a teia significativa de relações que o homem estabelece ao longo de sua história, na medida em que pode atribuir significados a suas experiências, na medida em que os acontecimentos revelam a ele possibilidades de existir.

 

Dentro dessa visão, que entende o homem como ser-no-mundo, lançado no horizonte de possibilidades da existência, sendo abertura para perceber e responder àquilo que se mostra em sua presença, a idéia de cura assume outra dimensão. Se para as abordagens fundamentadas em um pensar metafísico a cura é vista como eliminação do sintoma, eliminação do mal, para a abordagem existencial a cura significa cuidado – um cuidar que é a busca de uma libertação.

 

Quando a pessoa vive um problema que lhe traz muito sofrimento, ela perde a sua liberdade, porque está absorvida pelo problema. E aqui o conceito de libertação coincide com o conceito de ultrapassagem, quer dizer, no momento em que a pessoa descobre que o sofrimento está dentro dela, é possível essa ultrapassagem, ou seja, a pessoa se torna maior que o problema ao perceber que é possível encontrar caminhos diferentes para lidar com o seu sofrimento. Quando a pessoa se apropria de seu sofrimento e do seu ser-livre para escolher novos caminhos, a ultrapassagem se efetiva. E a ultrapassagem independe do conteúdo do sofrimento, o que tem importância é o processo, é o movimento que antes estava restrito pela limitação imposta pelo sofrimento.

 

E para finalizar, uma frase de M. Heidegger que expressa a ideia de movimento, tão presente no processo psicoterapêutico existencial, no qual o cliente busca a familiaridade na relação consigo, com os outros e com o mundo a partir da compreensão mais ampla de sua forma de ser-no-mundo: "Dou uma pequena pista para quem quer escutar: não se trata de ouvir uma série de frases que enumeram algo; o que importa e acompanhar a marcha de um mostrar".