Pensando a Liberdade na Compreensão Existencial

 

 

Não há quem não se encante com a ideia de liberdade. A criança quer ser livre para brincar o quanto quiser, sem pensar que terá hora para tomar banho ou dormir. O adolescente quer a liberdade para sair e chegar a hora que bem entender, para escolher seus amigos independente da opinião dos pais. O adulto quer a liberdade do final de semana para fazer tudo aquilo que deseja: aquela viagem, o cineminha ou simplesmente ficar à toa. Já o idoso, muitas vezes,  desfruta da liberdade, aquela conquistada ao longo de sua vida, que o isenta das preocupações em relação ao que os outros vão pensar – nessa fase tudo é permitido, tudo se justifica. Será?

O que nós temos como referência em cada uma dessas situações é a liberdade enquanto poder. Poder fazer o que se quer, poder fazer o que se deseja. É uma sensação que ultrapassa limites. Quanto menos limites/regras/restrições, mais livre é o indivíduo.

Porém, engana-se quem pensa a liberdade dessa maneira. Não podemos desconsiderar que existe uma realidade que sempre impõem regras a serem respeitadas e delas dependem a convivência saudável de uma comunidade. Liberdade no sentido de poder fazer tudo o que se quer é muito mais um desejo – ou uma ilusão – do que propriamente a realidade.

Ainda que digamos que o homem está sempre, necessariamente, enredado em uma trama de acontecimentos e relações que o constituem, ao mesmo tempo em que ele exerce influência nessa trama, há algo que permanece livre no homem, porém esse algo é bem diferente dessa liberdade sem fronteiras.

Vamos explicar melhor: o homem não é totalmente determinado. Algo permanece livre, algo que não pode ser demonstrado, pois é uma questão axiomática. É o livre arbítrio que pode ser apenas vivenciado, jamais sentenciado, explicado em termos lógicos. O livre-arbítrio é um dado que não se demonstra, mas sua verdade deve ser imperiosa. Sartre dizia: “o livre-arbítrio só pode ser livre se ele for um absurdo, porque se tiver razão, já não é livre, pois será determinado pela razão”.

Nesse momento, propomos uma reflexão ontológica, situando a discussão em um horizonte mais amplo de possibilidades que diz respeito ao Ser.

A primeira questão que se impõe é: como se mostra o ser-livre do Homem?

Como resposta a essa pergunta, temos que ser-livre é para o Homem um dom que se manifesta no estar aberto às possibilidades. Portanto, ser-livre é estar fundamentado, enraizado, nas possibilidades. Também podemos dizer que o ser-livre do Homem é estar lançado na angústia, uma vez que enquanto caminhos que surjam como possibilidades, até que se decida por um deles o que temos é o vazio, é o nada, a pura possibilidade.

E para que o Homem efetive uma escolha, é preciso que ele se aproprie dessa escolha. Apropriar-se da escolha quer dizer acolher algo que faça sentido para o Homem, que passe a fazer parte de sua vida. É fazer uma escolha consciente, considerando limites e possibilidades singulares. Quando você pode escolher, na verdade você tem que escolher. Não há como se omitir à escolha. O não escolher já é uma escolha. Porém as escolhas podem ser mais ou menos conscientes. Quando ela não é clara para o Homem, quando os motivos não estão explicitados, a escolha, como disse Sartre, transforma-se em condenação.  

Outra ideia que surge nesse caminho é que o poder escolher é estar livre para renunciar. Quando eu empunho uma escolha, estou abrindo mão de todas as outras. E necessariamente eu tenho que fazer as escolhas, sem ter garantia absoluta de sucesso.

Com o que colocamos até aqui, fica claro que a liberdade é própria do Homem, que ao realizar sua vida exerce seu ser-livre em cada escolha que faz. Todas as nossas escolhas trazem consequências e somos responsáveis por cada uma delas. Muitos tentam fugir dessas consequências evitando fazer escolhas: “deixo que o outro escolha por mim, pois se algo der errado, não fui eu que escolhi, a responsabilidade é do outro”. Essa forma de agir já é uma escolha, e aqui a liberdade não é um dom do qual o homem se apropriou, ela é condenação.

Outras pessoas escolhem a fantasia, a ilusão, como forma de viver. Evitam os verdadeiros dilemas, acomodando-se em uma zona de conforto, acreditando na vida cor-de-rosa, de conto de fadas. Se algo dá errado é como se o chão lhes faltasse. “Não era pra ser assim”, e não conseguem lidar com as consequências de suas escolhas a partir da realidade. Escondem-se atrás de máscaras, e desse modo não há como exercer plenamente sua liberdade enquanto dom.

Ser livre é saber-se responsável por cada momento de seu viver, cuidando de suas escolhas da maneira mais autêntica possível, encarando os desafios, a angústia que é estar lançado em um mundo que não oferece nenhum tipo de garantia de sucesso ou felicidade, pois essas conquistas irão depender da maneira como cada um constrói seu caminho para realização de seus projetos.

“O fim é belo, incerto, depende de como você vê”. (Trecho da música “O anjo mais velho” do grupo musical O Teatro Mágico)