O que posso controlar?

 

 

Uma das questões mais controversas que aparece na clínica refere-se à questão do controle. Controlar a própria vida, controlar os sentimentos, controlar as escolhas dos outros. Mas o que é realmente o controle? O que realmente podemos controlar?

 

Falar do ser humano enquanto existência é considerá-lo em sua essência mais fundamental, ou seja, é concebê-lo enquanto abertura para que o mundo se dê, singularmente, sempre envolvido de forma afinada com suas emoções. É nessa abertura que o homem constrói as suas relações, e que dá significado a sua vida. Nessa abertura, que é sempre estar relacionado com (outras pessoas, acontecimentos, objetos), acontecem as escolhas que fazemos ao exercer nossa liberdade. Porém não somos nós que escolhemos tudo o que acontece em nossas vidas.

 

Não escolhemos o lugar onde nascemos, nem a família que temos, tampouco a nossa carga genética. Não escolhemos o momento de nos despedirmos de pessoas queridas que falecem, não escolhemos a concretização do nosso medo mais tenebroso, embora por vezes ele se concretize. E não são só acontecimentos frustrantes, carregados de angústia, que chegam sem pedir licença. Nosso livre arbítrio nada conta também em situações agradáveis, que simplesmente acontecem. Aquele encontro casual com alguém do passado de quem sentimos muita saudade, a proposta de emprego naquela hora mais inusitada, as mudanças inesperadas que chegam para desarrumar tudo e depois percebemos o quão melhor depois delas.

Por tudo isso, vamos percebendo que não conseguimos escolher tudo, que não temos esse poder, que viver implica estar aberto aos acontecimentos que nos afetam de uma determinada maneira e responder a eles a partir de nossa compreensão. Posso compreender algo que aconteceu como favorável e acolher o sentido disso que me chega, apropriar-me desse acontecimento. Mas também posso compreender algo que acontece como ameaçador e então eu escolho não me relacionar com aquilo.

 

Viver, então, é ser afetado o tempo todo por aquilo que escolhemos e aquilo que não escolhemos – e nesse caso podemos ou não acolher o sentido revelado nesse acontecer. Viver é oscilação.

 

Essa oscilação se traduz em momentos de familiaridade – onde nos sentimos abrigados, tranquilos, sabemos como agir, temos certa previsibilidade do acontecer – e momentos de estranhamento – onde não sabemos o que fazer diante de uma situação, nos sentimos desamparados, sem referências para caminhar, frente ao desconhecido.

Querer negar ou anular essa oscilação inerente ao existir humano é o maior dos absurdos, pois é descaracterizar a essência do ser humano, e transformá-lo em qualquer coisa que siga a risca um projeto previamente determinado, passo a passo, sem surpresas, sem fortes emoções, tudo sob controle - impossível para realidade humana.

 

É no desconhecido de nossas vidas que temos a oportunidade de experimentar novas possibilidades de ser e agir no enfrentamento da angústia tão presente nesses momentos.

 

É a partir do estranhamento que podemos construir novos caminhos significativos, importantes fontes de autoconhecimento.

 

Para finalizar, duas frases do filósofo Nietzsche, que resumem as ideias colocadas nesse texto acerca do ser humano:

“É preciso ter um caos dentro de si para poder dar à luz uma estrela cintilante.”

“Prefiro uma vida de angústia a uma existência anestesiada.”