fev 06

O POTE VAZIO (Conto chinês)

Há muito tempo, na China, vivia um menino chamado Ping, que adorava flores. Tudo o que ele plantava florescia maravilhosamente. Flores, arbustos e até imensas árvores frutíferas desabrochavam como por encanto.

Todos os habitantes do reino também adoravam flores. Eles plantavam flores por toda a parte e o ar do país inteiro era perfumado.

O imperador gostava muito de pássaros e outros animais, mas o que ele mais apreciava eram as flores. Todos os dias ele cuidava de seu próprio jardim.

Acontece que o imperador estava muito velho e precisava escolher um sucessor.

Quem podia herdar seu trono? Como fazer essa escolha?

Já que gostava muito de flores, o imperador resolver deixar as flores escolherem.

No dia seguinte, ele mandou anunciar que todas as crianças do reino deveriam comparecer ao palácio. Cada uma delas receberia do imperador uma semente especial. – Quem provar que fez o melhor possível dentro de um ano – ele declarou – será meu sucessor.

A notícia provocou muita agitação. Crianças do país inteiro dirigiram-se ao palácio para pegar suas sementes de flores.

Cada um dos pais queria que seu filho fosse escolhido para ser o imperador, e cada uma das crianças tinha a mesma esperança.

Ping recebeu sua semente do imperador e ficou felicíssimo. Tinha certeza de que seria capaz de cultivar a flor mais bonita de todas.

Ping encheu o vaso com terra de boa qualidade e plantou a semente com muito cuidado.

Todos os dias ele regava o vaso. Mal podia esperar o broto surgir, crescer e depois dar uma linda flor.

Os dias se passaram, mas nada crescia no vaso. Ping começou a ficar preocupado. Pôs terra nova e melhor num vaso maior. Depois transplantou a semente para aquela terra escuta e fértil. Esperou mais dois meses e nada aconteceu. Assim se passou o ano inteiro.

Chegou a primavera e todas as crianças vestiram suas melhores roupas para irem cumprimentar o imperador. Então correram ao palácio com suas lindas flores, ansiosas por serem escolhidas.

Ping estava com vergonha de seu vaso sem flor. Achou que as outras crianças zombariam dele por que pela primeira vez na vida não tinha conseguido cultivar uma flor.

Seu amigo apareceu correndo, trazendo uma planta enorme:

– Ping, disse ele, você vai mesmo se apresentar ao imperador levando um vaso sem flor? Por que não cultivou uma flor bem grande como a minha?

– Eu já cultivei muitas flores melhores do que a sua, disse Ping.

– Foi essa semente que não deu nada.

O pai de Ping ouviu a conversa e disse:

– Você fez o melhor que pôde, e o possível deve ser apresentado ao imperador.

Ping dirigiu-se ao palácio levando o vaso sem flor.

O imperador estava examinando as flores vagarosamente, uma por uma. Como eram bonitas! Mas o imperador estava muito sério e não dizia uma palavra.

Finalmente chegou a vez de Ping. O menino estava envergonhado, esperando um castigo. O imperador perguntou:

– Por que você trouxe um vaso sem flor?

Ping começou a chorar e respondeu:

– Eu plantei a semente que o senhor me deu e a reguei todos os dias, mas ela não brotou. Eu a coloquei num vaso maior com terra melhor, e mesmo assim ela não brotou. Eu cuidei dela o ano todo, mas não deu nada. Por isso hoje eu trouxe um pote vazio. Foi o melhor que eu pude fazer.

Quando o imperador ouviu essas palavras, um sorriso foi se abrindo em seu rosto e ele abraçou Ping. Então ele declarou para todos ouvirem:

– Encontrei! Encontrei alguém que merece ser imperador!

– Não sei onde vocês conseguiram essas sementes, pois as que eu lhes dei estavam todas queimadas. Nenhuma delas poderia ter brotado. Admiro a coragem de Ping, que apareceu diante de mim trazendo a pura verdade. Vou recompensá-lo e torná-lo imperador deste país.

 

fev 06

A INFINITA FIANDEIRA Mia Couto, In O Fio das Missangas

A aranha ateia diz ao aranho na teia: o nosso amor está por um fio!

A aranha, aquela aranha, era tão única: não parava de fazer teias! Fazia-as de todos os tamanhos e formas. Havia, contudo, um senão: ela fazia-as, mas não lhes dava utilidade. O bicho repaginava o mundo. Contudo, sempre inacabava as suas obras. Ao fio e ao cabo, ela já amealhava uma porção de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs.

E dia e noite: dos seus palpos primavam obras, com belezas de cacimbo gotejando, rendas e rendilhados. Tudo sem fim nem finalidade. Todo o bom aracnídeo sabe que a teia cumpre as fatais funções: lençol de núpcias, armadilha de caçador. Todos sabem, menos a nossa aranhinha, em suas distraiçoeiras funções.

Para a mãe-aranha aquilo não passava de mau senso. Para quê tanto labor se depois não se dava a indevida aplicação? Mas a jovem aranhiça não fazia ouvidos. E alfaiatava, alfinetava, cegava os nós. Tecia e retecia o fio, entrelaçava e reentrelaçava mais e mais teia. Sem nunca fazer morada em nenhuma. Recusava a utilitária vocação da sua espécie.

– Não faço teias por instinto.

– Então, faz porquê?

– Faço por arte.

Benzia-se a mãe, rezava o pai. Mas nem com preces. A filha saiu pelo mundo em ofício de infinita teceloa. E em cantos e recantos deixava a sua marca, o engenho da sua seda. Os pais, após concertação, a mandaram chamar. A mãe:

– Minha filha, quando é que assentas as patas na parede?

E o pai:

– Já eu me vejo em palpos de mim…

Em choro múltiplo, a mãe limpou as lágrimas dos muitos olhos enquanto disse:

– Estamos recebendo queixas do aranhal.

– O que é que dizem, mãe?

– Dizem que isso só pode ser doença apanhada de outras criaturas.

Até que se decidiram: a jovem aranha tinha que ser reconduzida aos seus mandos genéticos. Aquele devaneio seria causado por falta de namorado. A moça seria até virgem, não tendo nunca digerido um machito. E organizaram um amoroso encontro.

– Vai ver que custa menos que engolir mosca – disse a mãe.

E aconteceu. Contudo, ao invés de devorar o singelo namorador, a aranha namorou e ficou enamorada. Os dois deram-se os apêndices e dançaram ao som de uma brisa que fazia vibrar a teia. Ou seria a teia que fabricava a brisa?

A aranhiça levou o namorado a visitar a sua colecção de teias, ele que escolhesse uma, ficaria prova de seu amor.

A família desiludida consultou o Deus dos bichos, para reclamar da fabricação daquele espécime.

Uma aranha assim, com mania de gente? Na sua alta teia, o Deus dos bichos quis saber o que poderia fazer. Pediram que ela transitasse para humana. E assim sucedeu: num golpe divino, a aranha foi convertida em pessoa. Quando ela, já transfigurada, se apresentou no mundo dos humanos logo lhe exigiram a imediata identificação. Quem era, o que fazia?

– Faço arte.

– Arte?

E os humanos se entreolharam, intrigados. Desconheciam o que fosse arte. Em que consistia? Até que um, mais-velho, se lembrou. Que houvera um tempo, em tempos de que já se perdera memória, em que alguns se ocupavam de tais improdutivos afazeres. Felizmente, isso tinha acabado, e os poucos que teimavam em criar esses pouco rentáveis produtos – chamados de obras de arte – tinham sido geneticamente transmutados em bichos. Não se lembrava bem em que bichos. Aranhas, ao que parece.

 

fev 06

Separatio – Separar para integrar (Texto 7)

No post anterior, falamos sobre a matriz, que está relacionada ao feminino, à natureza, ao inconsciente como essa força e geradora de vida, que temos acesso em nós, se lembrarmos de buscar essa fonte, de nos conectarmos com ela. Hoje vamos ver uma das operações alquímicas, a “separatio” – que quer dizer separação: é o principio masculino, o princípio do logos, do discernimento, da discriminação
Pensando na teoria junguiana, a matriz é como se fosse um mar de forças latentes, que nada mais é do que o incosciente coletivo. Quando nascemos, estamos mergulhados nesse mar indiferenciado de energias, e aos poucos vamos nos diferenciando. É como se do meio desse mar fosse surgindo uma ilha. Essa ilha é a cosciência, e o centro da ilha corresponde ao Ego.
O Ego é o princípio ativo que vai promover a diferenciação do mar original de energias. O Ego pode ser visto como o herói que mata o dragão, que salva a donzela e enfrenta os monstros.
E o que significa tudo isso?
Nascemos imersos na matriz – que nos oferece energia, força, vida… é a mãe. Mas não podemos ficar no colo da mãe, simplesmente. Temos que nos diferenciar e é o Ego que faz isso.
A primeira diferenciação que fazemos é dividir o mundo em dois: sujeito/objeto, dentro/fora, bem/mal, Ego/não Ego. Polarizar é uma tarefa bem complexa.
Depois de diferenciarmos os opostos, nos identificamos com um dos polos, e o outro vai para o incosciente.
É um ato de amadurecimento suportar todos os opostos, pois eles são as duas faces da mesma moeda. Mas esse amadurecimento vem com o tempo, com as experiências, com nossa abertura para o aprendizado.
Vamos observar a primeira figura:
Vemos o alquimista cortando o ovo filosáfico. O ovo é também uma imagem, um símbolo do início, além da forma arredondada, que também é simbolica. Portanto, cortar o ovo é cortar a unidade primordial. Antes da divisão, não há angústias, tudo é uma coisa só. Mas quando se divide, surgem as angústias, porque nesse momento temos que nos posicionar entre os dois polos. Por isso que essa diferenciação não é uma tarefa fácil. Viver na inconsciência original é como aquela pessoa que não para para pensar, ela se identifica com uma leitura da realidade e não questiona se existe outras possibilidades.ela segue a vida pela receita, pela consciência de sua época. É uma pessoa que não cresce, não amadurece. Segue o fluxo, apenas. Ela não cortou o ovo. O primeiro passo é separar-se dessa situação de indiferenciação. A consciência surge da diferenciação entre os opostos.
A segunda figura apresenta o mito de criação do Egito:
Marie Luise von Franz nos diz que qualquer mito de criação se inicia com a separação: o céu da terra, dividir os animais, a noite do dia. Para criar um ambiente organizado, para passar do caos ao cosmo, é necessário separar, diferenciar as coisas. Não dá para viver em um mundo sem orientação. Essa é a primeira operação. Na figura temos Nut (Céu) e Geb (Terra), o feminino e o masculino. Não cabe contar o mito aqui, mas é importante dizer que ele narra a separação entre céu e terra, assim como a mitologia grega conta a história da separação de Géia (Terra)  e Urano (Céu).
O próximo passo depois da divisão em dois polos, é a divisão em quatro partes. Essa é uma divisão arquetípica – vejam os quatro elementos (terra, fogo, água e ar). O 4 é uma ordenação que anuncia o 5, que é o número que representa a totalidade – o quinto elemento, éter, que é a junção dos quatros elementos.
Precisamos dividir para criarmos identidade, e só depois podermos os juntar novamente, em uma relação madura, por exemplo, com cosciência do que é meu e o que é do outro. quando o relacionamento, seja qual for a sua natureza, cria uma relação simbiótica (indiferenciada), nenhum dos dois crescem. E aqui está a importância da Separatio!
Abaixo, a terceira figura:
O alquimista está fazendo um desenho. Ele busca proporções harmoniosas, busca fugir dos extremos e chegar no centramento (que no linguagem junguiana corresponde ao Self). O trabalho alquímico gera a beleza, a harmonia e a ética, que são virtudes necessárias para um bem viver. Quando usamos bem nossa energia, nos mantemos em princípio homeostático, onde as coisas funcionam ordenadamente, tanto na psiquê quanto no corpo. Mas vivemos em uma sociedade que transforma o ouro em chumbo, que é o contrário do trabalho alquímico – que transforma o chumbo em ouro.
As duas próximas figuras nos apresentam a separação e a integração.

Devemos nos separar/diferenciar, mas somos seres em relação, eu só sou com o outro. Para fazer a integração é preciso trabalhar com os opostos, trabalhar com a sombra, com tudo que não está no consciente. Para integrar é preciso evitar a unilateralidade. E só integrando todos esses conteúdos é que podemos amadurecer e transformar, ao longo do tempo, através das experiências, nosso chumbo em ouro.

 

 

fev 06

A Matriz (Texto 6)

Vamos continuar essa série de textos sobre alquimia e processo de individuação. Estamos em nosso quinto texto. Quem não leu os anteriores, os links estão abaixo:
Iremos agora falar sobre o que os alquimistas consideravam a matriz de seu trabalho e fazer a correlação dessa ideia com a Psicologia Analítica.
A matriz do trabalho alquímico é justamente a natureza, enquanto um princípio feminino. Jung nos diz que o homem se afastou da natureza e dos próprios instintos ao longo do tempo, e por isso é tão importante e urgente recuperar esse contato.E na Psicologia Analítica podemos relacionar a natureza ao inconsciente coletivo, que é o âmbito em que brota nossa consciência.
Na história da Filosofia Ocidental a oposição entre matéria e espírito se faz presente de forma marcante, fato que favorece esse distanciamento da matriz, a qual é vista como um princípio arquetípico que gera, nutre, acolhe e coloca a pessoa em contato com a força do viver.
Esse arquétipo é antiquíssimo e todos os seres vivos participam dessa matriz.
Segundo Jung, quando falta conexão com a matriz arquetípica, ocorre uma falha psíquica. Como exemplo podemos citar pessoas que são vítimas de severas depressões, e chegam a morrer.
Abaixo, uma imagem da representação do cosmo por um alquimista famoso, Robert Fludd. Nessa representação temos os círculos externos que remetem ao céu – o mundo celestial, do espírito. Ao centro, temos o macaco representando nosso lado instintivo e ligando esses dois âmbitos, a figura feminina que simboliza a natureza, a mãe de todas as coisas e a alma do universo.
A seguir, vejam esse documento alquímico, repleto de símbolos que buscam compreender a complexidade do universo – e poderíamos dizer, a complexidade de nosso incosciente! No topo, o corpo de uma mulher, Sophia, Sabedoria. Para Jung, tanto a matéria quanto o espírito não podem ser comprovados pela ciência. A matéria ainda é um mistério. O homem da antiguidade sabia disso e não se incomodava, pois atribuia a essa vivência contornos sagrados. Porém, como já foi dito, o homem moderno perdeu essa conexão, mas o mistério continua. Percebemos que o homem tem sede dos dois lados: ele quer entender a objetividade, mas também precisa do mistério, e o desafio é equilibrar esses dois aspectos. Muitas questões que as pessoas levam para o consultório são decorrentes dessa cisão.
Na próxima imagem, vemos a representação da natureza linda, formosa, caminhando com firmeza, ainda que de forma delicada, e o alquimista a seguindo, caquético, de bengala. “Deixe que a natureza seja seu guia”. Precisamos de uma atitude de colaboração, amizade e reconhecimento de ambas as partes.
Transpondo isso para o contexto terapêutico, podemos pensar em nossos sonhos, naquilo que almejamos. Quando eles brotam de um desejo verdadeiro, precisamos nos deixar guiar por essa natureza (conexão com o sagrado) e assim como os alquimistas, transformar o que surge na psique, a partir dos processos terapêuticos: pela palavra, pela arte, através de relaxamentos. Fazer com que o inconsciente relaxe e apareça uma nova compreensão. Esses processos nos ajudam na construção de sentidos para o que vivemos. Devemos acreditar que as respostas estão dentro de nós, caso contrário nada adianta o gasto de energia na busca de uma “cura”.
Infelizmente, muitas pessoas perderam essa confiança e não acreditam mais. Temos que nos propor, então a natureza se propõe também. Esse é um diálogo que precisa ser mantido.
A imagem a seguir, temos um detalhe do pórtico principal da Catedral de Notre Dame, em Paris. Podemos observar a imagem de uma pessoa que tem a cabeça no céu (contato com as ideias superiores) e os pés plantados no chão (aspecto da realidade mais concreta), fazendo a conexão entre céu e terra. A escada se apresenta como a ordem a ser seguida. O livro, a busca pelo conhecimento, tão almejado. O cedro simboliza o saber real, e é símbolo de poder.
Podemos fazer algumas reflexões sobre essa imagem tão simbólica: todo conhecimento nos confere poder e deve ser bem usado. Os alquimistas alertavam que as trasnformações não acontecima apenas nos processos externos, mas que deveriam ter uma correspondência com os processos internos, para que houvesse um desenvolvimento, acima de tudo, ético.
E para finalizar o texto, a última imagem na qual podemos ver o alquimista mediando a natureza (anjo) e a tecnologia (o forno dentro da construção).
Sabemos que o homem passa por dois nascimentos: o biológico e o nascimento da consciência. Fazer com que a luz da consciência brilhe, se expanda e seja usada de forma positiva é a Opus Magnum de uma vida. Recebemos potências psíquicas da natureza (arquétipos), mas o que fazemos com isso?
Perdemos a confiança nas nossas percepções, na nossa intuição. Tudo tem que ser encaixado e categorizado. Temos um script social a ser seguido e quanto mais buscamos andar nesse trilho, mais distantes estamos da nossa essência.
Como construir essa ponte entre o visível e o invisível? Pois precisamos dos dois, em um equilíbrio perfeito…
Algumas dicas, apenas… há tantos caminhos quanto sua imaginação permitir!
Converse com alguém mais velho, pergunte sobre coisas da vida e escute sua sabedoria;
Peça inspiração para natureza, se conecte com ela, aprecie um lindo pôr do sol ou apenas veja as folhas de uma árvore dançando ao vento;
Dance ao vento, ouça música que te toque a alma profundamente;
Leia poesia;
Passeie por um livro de Arte e visite museus;
Brinque com seu bichinho de estimação;
Faça a comida que você mais gosta e compartilhe com alguém querido;
Resgate rituais, eles tem o poder de acessar nossa força interior;
Conviva mais com o outro, estamos carentes de reuniões de alma;
E por fim, perceba a beleza no cotidiano, pois nele está incluído um poder imenso de sacralidade que não nos damos conta!
Quando esquecemos de todas essas coisas, a vida vai ficando vazia.
Os alquimistas queriam fazer justamente essa reconexão: transformar a matéria simples (cotidiano) em ouro, desde que se veja o ouro presente nessa matéria simples!
Para você pensar:
Nós somos seres criativos, por natureza. E o que fazemos com essa potência que temos?
A criatividade que existe em nós busca sempre um caminho de expressão. De que forma estamos dispostos a abrir esse caminho?

fev 06

A matriz de todo processo (Texto 5)

Nos posts anteriores traçamos a relação entre a Alquimia e o processo psicoterapêutico (clique aqui para ler o post), apresentamos as características da Opus Magnum (clique aqui), a matéria prima (clique aqui) e falamos sobre o vaso alquímico (clique aqui), local onde os alquimistas realizavam a transmutação da matéria, que relacionamos ao ambiente terapêutico ou ao nosso próprio ser.
Dando continuidade a esta série, gostaria de falar um pouco sobre uma questão muito importante: o homem está muito afastado da natureza e dos próprios instintos, e por isso Jung percebeu a relevância da Alquimia para recuperar esse contato. Para a Alquimia, a natureza é a matriz da Opus Magnum, é o princípio feminino. Esse princípio, para Jung, corresponde ao incosciente coletivo, onde brota a nossa cosciência.
Ao percorrermos a História da Filosofia, muito facilmente podemos encontrar a oposição entre matéria e espírito. Mas como podemos explicar a morte sem explicação de bebes saudáveis, ou o fato de um membro do casal morrer e logo em seguida o outro também morre? Para Jung, esses fatos acontecem porque não há separação entre matéria e espírito, o que existe é uma falta de conexão com a matriz, e isso resulta em uma falha psíquica.
A matriz é um princípio arquetípico que gera, nutre, acolhe e coloca o homem em contato com a força do viver. Esse arquétipo é muito antigo e todos os seres vivos participam dele.
Jung chama nossa atenção para esse esquecimento: o homem moderno se afastou dessa matriz, cindiu a relação entre a matéria e o espírito, relegou o corpo à segundo plano. Não estamos falando do corpo perfeito que é buscado nas academias e através de fórmulas mágicas, tão em pauta em nossa sociedade. Estamos falando do corpo que é nossa morada, o corpo que habitamos e que é marcado por nossas escolhas. O corpo que é natureza, e a natureza é a mãe de todas as coisas, e a alma do universo.
Jung nos diz que tanto a matéria, quanto o espírito, não podem ser comprovados pela ciência… a matéria ainda é um mistério! O homem da antiguidade sabia disso e não se incomodava. A matéria/corpo tinha uma conotação sagrada. Mas o homem moderno quer dominar o mistério e definir a matéria a partir de explicações objetivas e comprovadas cientificamente. Acaba-se com o mistério. Cisão entre matéria e mistério.
Contudo, o homem precisa desses dois âmbitos – o conhecido e o mistério a ser conhecido – e poder equilibrar-se entre eles é o que torna a vida interessante. Mas a modernidade cindiu essa dupla e propôs explicações razoáveis para tudo. No consultório psicológico, muitas questões que os pacientes trazem são decorrentes dessa cisão, e o que eles buscam é a responsta pronta, organizadasm, afinal… tudo tem uma explicação!
Mas sabemos que não é bem assim, que nem tudo tem uma explicação. E ficar com essa ideia é bem angustiante. Então, baseada no pensamento de Jung, proponho um caminho possível: uma reaproximação com a natureza, com a nossa matriz. E a matriz se apresenta em nossos sonhos e fantasias com uma veracidade que deve ser considerada. Precisamos fazer como os alquimistas e transformar o conteúdo de nossa psique, a partir dos processos clínicos, em uma compreensão mais ampla acerca de nós mesmos. Isso promove a aproximação de quem somos, ultrapassa a cisão matéria/espírito, amplia qualquer tentativa de explicação teórica, pois abre novas possibilidades de sentido.
É preciso acreditar que as respostas estão dentro de si mesmo, caso contrário, não compensaria o gasto de energia buscando a cura. Infelizmente, muitas pessoas perderam essa confiança…
Vejam que interessante a figura abaixo, de M. Maier. Nela temos uma figura feminina, toda formosa e confiante, representando a natureza e logo atrás a figura de um alquimista debilitado, que usa uma bengala e uma lanterna e segue a natureza, que lhe abre caminhos.
Nessa figura podemos encontrar o caminho proposto acima: um contato maior com a nossa natureza, um diálogo mais íntimo e verdadeiro com essa força que habita dentro de nós!
De que forma? Eis algumas dicas:
Conversar com um antepassado, rezar e pedir inspiração para a natureza, ouvir uma música que lhe toque profundamente, fazer a leitura de uma poesia ou um romance, folhear um livro de arte para apenas ver suas imagens. Estar presente, no aqui e agora, pois no cotidiano está incluído um poder imenso de sacralidade.
Vamos nos aproximar dessa potência criativa, abrir espaço para novos sentidos, descobrir nossos recursos de transformação e construir um caminho mais autêntico, que represente nosso viver muito mais do que teorias prontas. Que essa natureza criativa seja nosso guia!

fev 06

O Vaso Alquímico (Texto 4)

Dando continuidade à série de textos sobre Alquimia e Processo de Individuação, falaremos sobre o vaso alquímico, que era o local onde os alquimistas realizavam o seu trabalho de transmutação da matéria – sua Opus Magnum.
Podemos relacionar esse vaso a um ambiente adequado para que o trabalho aconteça – e esse local pode ser o ambiente terapêutico ou nosso próprio ser, dentro de nós mesmos.
Para tanto, algumas características devem ser observadas, a saber:
O vaso alquímico deve estar limpo: significa que temos que silenciar as vozes interiores, parar de ter opinião sobre tudo, fazer julgamentos o tempo todo. Apenas observe! Olhe sem preconceito, olhe-se sem preconceito! Tente descobrir o que está acontecendo e retire as projeções que você coloca no mundo. É preciso que haja um espaço de silêncio interno para que o Self se manifeste. O Ego já sabe tudo, já rotulou todas as experiências. Por isso, é preciso silêncio interior para nos colocarmos em nosso centro e abrir espaço para o Self. Uma dica para silenciar essas vozes internas é o trabalho corporal, como relaxamento, por exemplo.
A segunda característica a ser ressaltada: os alquimistas mantinham o vaso bem vedado. Trazendo para a nossa situação, significa: não banalize o que você constrói em contexto terapêutico. Em outras palavras: a compreensão que é construída na relação terapêutica, os insights, tudo o que se nomeia em contato com os próprios sentimentos e intenções só pode ser acompanhado por você mesmo, no passo a passo. O outro não sabe o trabalho que isso tudo dá e muitas vezes pode descaracterizar os seus esforços, a partir de um olhar julgador, ou até “contaminar” esse processo com projeções que não dizem respeito a você. Por isso, procure evitar compartilhar esse processo que acontece em seu vaso alquímico (seu próprio interior), antes de ter fechado um ciclo de compreensão. Essa é, também, uma forma de você mesmo assumir a responsabilidade por esse trabalho interno – ninguém saberá, melhor que você, sobre você mesmo. É um jeito de não deixar a energia do processo escapar e se dirigir para outros focos.
Por fim, para os alquimistas, dentro do vaso, o processo acontece em três fases: Nigredo, Rubedo e Albedo. A primeira fase (Nigredo) tem a cor negra, e significa o problema, tudo está escuro, difícil. É a fase inicial das transformações. Em seguida, temo Albedo (branco), onde as coisas começam a clarear, como se fosse a aurora. Aqui, a pessoa já está entrando em contato com suas questões mais internas e trabalhando nelas. E finalizando, temos a Rubedo (vermelho), quando atingimos o Self, quando há a transformação daquilo que foi trabalhado, de forma autêntica – o que nos aproxima um pouco mais do Self.
Nas imagens alquímicas, muitas vezes essas cores estarão presentes, representando esse processo de mudança da matéria e do seu próprio interior. Porém, a vida não acontece de forma linear. Ela é mais zigue-zague do que reta ascendente. Através dessa ideia, podemos ir refinando a percepção e ampliando a consciência. A esse movimento constante os alquimistas davam o nome de Circulatio.
Na Circulatio, a matéria prima é submetida várias vezes a esse procedimento, iniciando e fechando vários ciclos, como se estivesse sendo lapidada.
Uma imagem para representar esse processo é o diamente. Ele deriva do carvão, que é submetido ao interior da terra e passa por muitas pressões por milhares de anos. O diamante é retirado da terra em sua forma bruta e precisa se polido, lapidado – todo trabalho de elaboração de conteúdos prórprios, que pertencem a cada um. O homem tem essa mesma natureza do diamante – é necessário ser polido! E esse é um trabalho muito rico, fundamental – cada passo que se dá nesse caminho, acrescente algo em seu viver.
A seguir, apresento uma sequência de imagens que ilustram o que foi dito até o momento:
A primeira figura refere-se ao vaso alquímico no qual o alquimista, ao mesmo tempo que trabalha para transformar a matéria prima, é transformado também. Podemos relacionar ao processo terapêutico, no qual paciente e terapeuta são transformados a partir desse encontro.
A seguir, a imagem do vaso alquímico em forma de fonte, e a representação do processo de Circulatio – a água cai, evapora, e cai novamente. Outros símbolos aparecem: quatro pontos, o sol e a lua. Mas desses, falaremos mais para frente. Percebemos, por esse imagem, que o processo é um trabalho contínuo da psique.
Na terceira imagem, temos a representação de Mercúrio, deus do panteão romano e que quimicamente, é um elemento que não é sólido, mas também não é líquido – representa um estado intermediário, que corresponde ao inconsciente. Mercúrio (ou Hermes, como é conhecido na mitologia grega), é o mensageiro entre os deuses e os homens. Portanto, ele transita entre esses dois mundos, e nesta imagem, ele aparece fazendo o sinal de silêncio com uma mão, enquanto segura um candelabro com a outra. Isso significa que para a consciência se iluminar é preciso silenciar.
E a última imagem traz os quatro elementos e as quatro funções psíquicas, como consequência do processo alquímico. Mas falaremos disso nos próximos posts. Até lá!

fev 06

A Matéria Prima para a realização da Opus Magnum (Texto 3)

Já vimos nos posts anteriores que o procedimento da Opus Magnum é recolher a matéria prima e submetê-la às etapas alquímicas, e forma que as transformações resultem na Pedra Filosofal. Traçando um paralelo com a psicoterapia, podemos dizer que o trabalho de análise visa o Self (equivalente à Pedra Filosofal) através do caminho de autoconhecimento. Jung dizia que mais importante que atingir o Self, é o caminho – a Opus.
Os alquimistas encontravam a matéria prima para as suas operações na natureza. Para Jung, nossa matéria prima é o inconsciente e tudo o que está nos fatos vividos no cotidiano – pequenos fatos que parecem não ter importância nenhuma se transforma em um espaço onde novas compreensões desabrocham. Por isso, devemos estar abertos ao encontro da matéria a ser transmutada todos os dias.
Muitas vezes os alquimistas encontravam a matéria prima no lixo, no esterco, naquilo que ninguém valorizava. Para nós, podemos dizer que a matéria prima se encontra, predominantemente, em nossa sombra. Por isso, nosso tesouro está no escuro, e precisamos enfrentar esse escuro para chegar ao que é mais valioso. Essa joia pode se chamar criatividade, e em um primeiro momento podemos senti-la de forma caótica. É aquele sentimento de angústia e desorientação, de quebrar os velhos padrões para que o novo surja… justamente dentro desse caos está a possibilidade da transmutação.
Também podemos encontrar a matéria prima nos sonhos, pois eles nos apontam caminhos e revelam muito do nosso ser, e em nosso corpo, como um lugar de transformações por natureza – tudo o que vivemos e sentimos passa, necessariamente, pelo nosso corpo.
O alquimista trabalha na matéria porque supõe que ela está viva e seu trabalho é resgatar seu espírito. Moramos em um corpo, mas muitas vezes não o habitamos. Só temos consciência do nosso copo quando adoecemos. Precisamos habitar nosso corpo, ele é fonte de sabedoria Somos unidade indissociável corpo/mente, mas o homem ocidental moderno está dissociado…
Para resgatar essa unidade vivenciada, precisamos realizar um trabalho de compreensão simbólica sobre como estamos vivendo, de que forma estamos nos relacionando com nosso corpo, com nossos sentimentos. Eu ouço o que diz meu corpo? Eu levo em consideração os meus sentimentos? Eu dou espaço para a intuição? Ou sigo um roteiro pré-definido e conhecido para atingir meus objetivos? Meus objetivos são meus, ou impostos por um roteiro social?
A compreensão simbólica envolve a compreensão objetiva (dada pela ciência, na forma de teorias) e a compreensão subjetiva (a riqueza do nosso mundo interno, que é sempre singular, único).
Para finalizar, deixo um exercício que facilita a realização do trabalho rumo a sua Pedra Filosofal, de forma integrada (unidade corpo/mente):
Olhe para algo que tenha acontecido, acolha esse fato e descreva-o, buscando o significado dele para você. Para isso, primeiro, entre em contato com seus sentimentos, com suas sensações. O que você sente em relação a tal fato? como seu corpo reage? Nomeie esse sentimentos. Em seguida, procure entendê-los em nível simbólico: o que isso significou? Em que lugar esse acontecimento entra na sua vida? O que tudo isso diz sobre você?
Experimente fazer esse exercício e sentir que sua consciência vai se expandindo na medida em que você acolhe de forma autêntica o que vivencia, e imprime nisso suas próprias digitais. Seu caminho é único!
Os alquimistas realizavam seu trabalho no vaso alquímico. E nós, onde podemos realizá-lo? Também temos nosso vaso alquímico? Quais são suas características? Essas serão as questões apresentadas no próximo post. Até lá!

fev 06

As características da Opus Magnum (Texto 2)

Este é o segundo texto da série sobre Individuação e Alquimia. No primeiro, apresentei de forma resumida as raízes da Alquimia e fiz a relação desta com o processo de Individuação proposto por Jung. Se você não leu o texto, aqui está o link.

Agora, falaremos sobre as características da Opus Magnum – que é o trabalho dos alquimistas ao transformar, gradativamente, a matéria-prima em Pedra Filosofal – traçando um paralelo com a nossa jornada de autoconhecimento: como posso transformar aspectos inconscientes, que se encontram em estado bruto, em consciência mais ampla, em direção ao Self (que é o nosso ouro interior).

Primeira característica da Opus Magnun: Os alquimistas ressaltavam que para a realização da Grande Obra eram necessárias algumas virtudes no enfrentamento dos perigos que a vida apresentava. As virtudes que eles ressaltavam eram: coragem, paciência e perseverança. Fazendo uma ponte com o trabalho psicoterapêutico, podemos dizer o seguinte: geralmente, as pessoas chegam ao consultório com uma urgência muito grande, muito ansiosas. Entram em terapia com vontade de resolver situações pontuais, que geram angústia. E de fato, a terapia vai ajudar nessa organização interna, e a pessoa pode encontrar alguns caminhos mais imediatos. Porém, quando algumas pessoas se veem “fora do olho do furacão”, quando aquela ansiedade toda diminui, elas param a terapia. É nesse momento que é preciso ter coragem para enfrentar a sombra, e perseverança, porque esse é um trabalho milimétrico, onde a pessoa vai, lentamente, transformando-se de dentro para fora. O trabalho com foco na ampliação da consciência deve ser alimentado diariamente. Situações do dia-a-dia afastam e desencorajam as pessoas dessa busca – estresse, desconfiança no processo, pressa… É uma luta contra uma parte nossa que não quer crescer.

Segunda característica: a Opus Magnum é um trabalho sagrado. O processo psicoterapêutico deve ser orientado para o Self, pois não deve buscar apenas a cura dos sintomas, mas o equilíbrio do indivíduo em todos os aspectos. O sagrado é uma experiência numinosa que desvela o mundo do espírito, e isso é restaurador. Nesse sentido, a cura é consequência desse equilíbrio, dessa harmonia.

Terceira Característica: a Opus Magnum é um trabalho individual. Transferindo essa ideia para o contexto terapêutico, cada pessoa deve se responsabilizar pelo andamento de seu caminhar rumo ao autoconhecimento. Se a pessoa não tomar as rédeas do processo, não há crescimento.

Quarta característica: a Opus Magun é um trabalho secreto. Pois bem, a psicoterapia também assume essa característica na medida em que é um trabalho interno e não deve ser banalizado em conversas no dia-a-dia, pois é muito difícil o outro apreender o que é a totalidade das mudanças que acontecem internamente em alguém que está em processo psicoterapêutico.

Quinta característica: a Opus Magnum depende de um esforço consciente. Ou seja, alguém que busca o caminho do autoconhecimento deve envolver-se deliberadamente nesse processo. Buscar a individuação é ter consciência do seu desenvolvimento, assumir sua responsabilidade e não delega-la a ninguém.

No próximo texto falaremos sobre a fonte da matéria prima para a realização da Opus Magnum. Onde os alquimistas buscavam essa matéria-prima? E onde nós, hoje, buscamos a nossa matéria prima para realizar as transformações necessárias em nosso modo de ser?

Até o próximo post!

 

fev 06

O Caminho da Individuação e Alquimia (Texto 1)

Começo uma série de textos que apontam a relação entre o processo de individuação (proposto na teoria junguiana) e a Alquimia, e suas consequências no trabalho psicoterapêutico.
Para Jung, a psique se desenvolvia de forma criativa, ampla, dando ao indivíduo a possibilidade de tornar-se alguém capaz de fazer escolhas autênticas e responsáveis. De forma geral, esse é o processo de individuação – o homem que sai da massa para tornar-se ele mesmo!
E para entender esse processo, Jung buscava a finalidade do desenvolvimento da psique – para onde aponta as questões apresentadas? Qual é o significado da angústia e para que serve? E ele denominou de Metanóia justamente o momento em que o homem entra em contato com essas questões fundamentais:
Para que estou aqui?
Para onde vou?
Quem sou eu?
Esse é um momento em que um universo muito amplo se abre em sua frente, e ele se dá conta de descobertas arquetípicas da personalidade, prevenientes do inconsciente coletivo, dirigidas pelo Self. Lembrando que Jung trabalha com dois centros psíquicos – o Ego e o Self, e a compreensão da vida nessas duas dimensões –  pessoal e arquetípica – possibilita a transformação do ser humano de uma forma muito mais ampla.
Jung entrou em contato com a filosofia chinesa, através do livro “O segredo da flor de ouro”, e percebeu que as imagens alquímicas guardavam uma correspondência muito próxima ao processo de individuação. Os alquimistas escreviam muitos tratados, mas também desenhavam e Jung ficou fascinado por toda aquela linguagem simbólica.
A Alquimia pode ser considerada um modo de olhar o mundo. Uma de suas raízes vem do Egito, com o estudo para embalsamar o corpo dos faraós. Eram estudos secretos a serviço de algo sagrado, com objetivo de transformar o faraó em Deus. Era uma ação do homem sobre a natureza, procurando fazer transmutação, não só física, mas espiritual.
Encontramos outra raiz na Mesopotamia, berço da civilização, onde surgiu a escrita. Lá eram realizados estudos dos metais, e também era uma atividade considerada sagrada – transmutar o ferro em ouro, ou dito de outra maneira: transmutar o metal não nobre em metal nobre.
A terceira raiz vem do pensamento grego, com os filósofos pré-socráticos, que procuravam entender o sentido das coisas, sempre na relação homem/natureza. Para eles, o homem (microcosmo) carrega em si todos os aspectos da natureza (macrocosmo), e essa é uma compreensão alquímica – tudo o que está dentro, está fora. Não há separação entre esses dois planos. Podemos perceber a íntima relação desse modo de compreender a vida com o escrito alquímico conhecido como “Tábua de Esmeralda”, que traz o seguinte registro:O que está abaixo é como aquilo que está acima, e o que está acima é semelhante àquilo que está abaixo, para realizar os prodígios da coisa única.
Os alquimistas foram percebendo que o trabalho que realizavam com os metais tinham uma repercussão com o que estava acontecendo dentro deles. Eles perceberam que não estavam trabalhando só com a matéria. Portanto, podemos dizer que a Opus Magnum (trabalho realizado pelos alquimistas) relaciona-se com o processo de individuação do Homem, enquanto sua “Grande Obra”.
Se pensarmos o homem massificado da era moderna, podemos entender a busca do autoconhecimento como a realização de uma grande obra, pois ao ter consciência arquetípica da existência, o ser humano caminha em direção à sua forma própria, assume seus contornos autênticos, e isso reverte para o bem do todo! Um dos caminhos que levam ao autoconhecimento é o processo psicoterapêutico.
Ilustrando essa relação entre a busca própria que reverbera de forma mais ampla na teia universal, recorro à sabedoria dos povos indígenas que praticavam o ritual do sol, com o seguinte objetivo: “Fazemos isso para ajudar o Pai Sol a se levantar, não só por nós, mas pelo universo todo, senão é o fim, o Sol não vai nascer”.
Assim, precisamos retomar o contato com essa integração, para nos sentirmos mais inteiros, estarmos mais perto de nosso Self.
O Self é nosso ouro interior e precisamos ter paciência, coragem e perseverança para realizarmos a nossa Opus Magnum.
No próximo texto da série discutiremos as características da Opus Magnum, fazendo correlações com o processo psicoterapêutico.

fev 06

Vida e Morte – a eterna dança da transformação

Temos uma dificuldade muito para lidar com a morte porque não conseguimos perceber que ela se faz presente o tempo todo em nossa vida! A morte enquanto transformação, enquanto processo de crescimento e evolução – só deixando morrer o que não nos cabe mais (nosso corpo infantil, nossas ilusões, um pensamento mais rígido, uma situação…) que podemos abrir espaço para o novo – uma nova configuração, um novo sentido, uma nova forma de ser.

Quanto mais nos apegamos ao que deixou de existir, ou ao que não tem mais espaço na agenda diária, mais fixados e neuróticos ficamos, mais rígidos e limitados em nossas percepções de mundo.

É preciso abertura para que o mundo aconteça, para que as vivências sejam acolhidas pelo nosso ser, e assim vamos nos transformando, rumo à nossa individuação.

Vida e morte se entrelaçam na dança da transformação, na geração de novos caminhos, na força da criatividade, em cada escolha efetivada, em cada desafio da vida, em cada passo da jornada.

Você é a mesma pessoa que foi ontem? O que mudou? O que morreu em você para dar vida a novas possibilidades?

Para continuarmos refletindo sobre essas questões, um vídeo que mostra o início da vida e todas as transformações presentes nos nove meses de gestação. O início que se dá pela morte/transformação do espermatozoide e do óvulo, para a formação do ovo. Morte e vida que se encontram no incessante processo de evolução humana. Diante desse fato, gosto muito da visão poética apresentada por Rubem Alves em seu texto “A morte como conselheira”. Alguns trechos:

“É companheira silenciosa que fala com voz branda, sem querer nos aterrorizar, dizendo sempre a verdade e nos convidando à sabedoria de viver.

O que ela diz? Coisas assim:

“Bonito o crepúsculo, não? Veja as cores, como são lindas e efêmeras… Não se repetirão jamais. E não há formas de segura-las. Inútil tirar uma foto. A foto será sempre a memória de algo que deixou de ser… E esta tristeza que a beleza dá? Talvez porque você seja como o crepúsculo…. É preciso viver o instante. Não é possível colocar a vida numa caderneta de poupança…”

(…)

Na verdade, a Morte nunca fala sobre si mesma. Ela sempre nos fala sobre aquilo que estamos fazendo com a própria Vida, as perdas, os sonhos que não sonhamos, os riscos que não tomamos (por medo), os suicídios lentos que perpetramos.

(…)

Acho que para recuperarmos um pouco a sabedoria de viver seria preciso que nos tornássemos discípulos e não inimigos da Morte. Mas para isso seria preciso abrir espaço em nossas vidas para ouvir a sua voz. Seria preciso que voltássemos a ouvir os poetas….”

E agora, o vídeo:

 

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